Marcos Villela Pereira é formado em Filosofia e concluiu o doutorado em Educação (Currículo) pela PUC/SP em 1996. Atualmente é Professor Titular da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Publicou artigos e trabalhos em torno do tema dos processos de subjetivação e desenvolve estudos filosóficos nesse campo. Atua nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação, com ênfase nos Fundamentos da Educação.
UMBRASIL – Para melhorar a qualidade da educação é inerente a formação continuada de professores. Quais são os avanços obtidos na última década e quais os principais desafios para o Brasil?
Em termos de avanços, podemos dar destaque à ampliação de oportunidades de formação continuada: aumento do número de vagas em cursos de licenciatura, criação e expansão de programas institucionais como o Parfor [ Plano Nacional de Formação de Professores] e o Pibid [Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência], investimento dos governos municipais e estaduais na formação em serviço e na qualificação permanente. Os principais desafios são as dificuldades que esses sistemas encontram para assegurar condições de trabalho adequadas para os professores: remuneração digna, condições materiais nas escolas e valorização da profissão ante a sociedade ainda são os principais problemas. Igualmente, as escolas precisam ser repensadas. Modelos institucionais mais flexíveis e abertos à heterogeneidade também são desafios importantes.
UMBRASIL – A meta 16 no PNE (Plano Nacional de Educação) projeta a formação, em nível de pós-graduação, de 50% dos professores da educação básica até 2024. Qual o principal desafio para o cumprimento desta meta?
A área da Educação já é uma das maiores na CAPES: são mais de 150 programas de pós-graduação em funcionamento, no Brasil. Programas de expansão muito amplos podem induzir ao enfraquecimento da estrutura. Por um lado esse coletivo de programas trabalha em prol da qualidade (avaliação, indicadores, produtividade, etc. – especialmente no caso dos mestrados acadêmicos e doutorados); por outro lado, a demanda induzida pressiona pela ampliação do acesso e, sabemos, um sistema inflado pode não conseguir manter os níveis considerados ótimos na avaliação. De fato, colocamos em questão se é a pós-graduação o caminho de qualificação mais adequado. Programas específicos de formação continuada e valorização da carreira e da categoria poderiam ser tanto ou mais eficientes para assegurar a desejada qualificação dos professores.
UMBRASIL – Com relação a valorização do profissional de educação, o salário do professor é um entrave para a qualidade da educação?
Sem dúvida. O salário do professor, além de suprir as necessidades básicas fundamentais de um trabalhador, proporciona acesso a bens de natureza acadêmica e cultural, bem como condições de possibilidade formativas muito específicas. O professor deve poder comprar livros, ir ao cinema e ao teatro, viajar, frequentar cursos e congressos: tudo isso faz parte da formação. O que pode parecer supérfluo, no caso dos professores, é básico. O capital cultural funciona como lastro para o desenvolvimento da profissão. O domínio do conteúdo específico que leciona e os recursos didáticos com que opera em aula são apenas a parte visível da profissão.
UMBRASIL – Como fazer com que outros profissionais, que atuam na área de educação, sejam reconhecidos como parte fundamental do processo de ensino e aprendizagem e, sendo assim, contribuam ainda mais para que se atinja uma educação de excelência nas escolas?
A escola não é integrada só por professores, alunos e equipe pedagógica. São muitos os sujeitos que dão vida ao currículo e à educação. O debate contemporâneo nos leva na direção de entendermos que o cotidiano da escola é palco permanente de disputas e desencontro de expectativas. Para dar consistência a um projeto não se trata meramente de fazer valer seu ponto de vista. Ao contrário, se trata de apostar na heterogeneidade, na necessidade de produzir a coexistência e o acordo entre posições díspares que permanecerão díspares. A realidade e a perspectiva do outro devem ser consideradas exemplares, precisam ser entendidas como uma realidade e uma perspectiva plausível, de igual valor que todas as outras. Por isso, cada situação e cada sujeito precisa ser tomado como um caso possível do mundo, que merece atenção e respeito. Sempre que se trabalha com gente, a demanda pelo diálogo e a negociação se faz necessária.
UMBRASIL – Com relação à educação superior, como o senhor avalia a relação entre a ampliação do acesso e a qualidade educacional?
Essa é uma equação bastante complexa. O debate sobre a qualidade precisa ser ampliado, não apenas na direção dos indicadores convencionais, mas na direção dessa heterogeneidade que mencionei anteriormente. São muitos os mundos que se entrelaçam, são muitos os projetos, são muitas as expectativas. A qualidade não pode ser medida em uma só direção. A criação e a abertura de novas oportunidades e modelos não devem implicar no fechamento ou na renúncia de outros. Precisamos pensar em uma universidade efetivamente plural, em que se invista tanto nas novas tecnologias quanto no quadro de giz. A facilidade de acesso ao conhecimento não significa, em relação direta, que sua assimilação vai acontecer com a mesma facilidade. Ter acesso a materiais, recursos, informações e conhecimentos não garante sua apreensão. Precisamos continuar atentos ao tempo de maturação, aos necessários rituais de leitura, interpretação e assimilação dos conhecimentos para considerarmos os diferentes tempos da produção de conhecimentos novos. Não se trata de investirmos na universidade do futuro, mas na universidade do presente: uma universidade que se abriu para um espectro muito amplo de público, todos ávidos por formação. Não podemos pensar em um modelo que restabeleça a utopia da homogeneidade, mas em uma universidade que explore possibilidades variadas e múltiplas, simultaneamente, sem abdicar nem renunciar a nenhuma.
Crédito da Foto: Bruno Todeschini/Ascom PUCRS



